O MATERIALISMO REDIMENSIONADO PARA O SEC XXI

O MATERIALISMO REDIMENSIONADO PARA O SECULO XXI

LÍDIO NUNES, FILÓSOFO, AMIGO E COLABORADOR DO MIL-B

                            Vários conceitos estruturais, sociológicos e filosóficos precisaram ser reinterpretados e redimensionados para a realidade do Século XXI. Nesse contexto, as sociedades se vêm confrontadas com um materialismo totalmente perverso, individualista, pernóstico, pragmático que infesta os cidadãos da maioria dos países, principalmente do Ocidente. Esse materialismo é muito mais corrupto e degradante dos valores humanos do que tudo que já se viu anteriormente na História.

                               Expressão mais acabada desse  materialismo abjeto é a tradução econômica dos principais motivos da existência e por conseguinte dos valores sociais. Mercadoria e dinheiro ( status quo)  passaram a ser os elementos básicos, uma espécie de café da manhã que orienta os afazeres e preocupações do cotidiano. As relações entre as pessoas são relações entre coisas, entre objetos, entre posses. Vivemos em um mundo em que os mais íntimos desejos são coisificados em algo que podemos comprar ou possuir. Não existe mais espaço para elocubrações existenciais ou idealistas.

                               Além de manifestar-se através das coisas, a existência tornou-se, ela própria, um produto, ou seja, adquiriu grandeza de valor. Desde o nascimento o indivíduo parece colocar preço e esforço em tudo que será feito durante a vida terrena.  O valor de uso é a amplitude de sua necessidade; o de troca se mede pelas formas sociais de sua manifestação.

                               Indignados com isso, os românticos atuais (raríssimos) procuram expor a dominação da troca sobre o uso, como se este fosse próprio do homem (e nesse sentido natural) e aquela, a troca, da sociedade (isto é, cultural). Haveria, assim, o aniquilamento do humano em nome do social, ou da posição social de classes, tema, aliás, dos mais profícuos para o pensamento político e para a prática artística e cultural do Ocidente, porque envolve a dialetização do indivíduo com o Estado, do sujeito com o coletivo. Tudo é sacrificado no altar do Bezerro de Ouro. Tudo é transformado em valor pelo toque do Midas fantasmagórico.

                               Admitindo-se que a essência de algo manifesta-se através de sua aparência, ou valor,  e que estes contém as definições do algo, vive-se de acordo com as formas e práticas próprias aos tempos atuais. Essas formas e práticas, que compõem os rituais da contemporaneidade, cristalizam-se nas diversas mercadorias e produtos. Ou no caso do ser feminino, na forma voluptuosa do corpo e da aparência. Resta, no entanto, uma séria questão: os homens se coisificaram, ou as coisas se humanizaram?

                               No plano da consciência e do pensamento é como se estivesse ocorrendo um sucumbir da lucidez, um desabar da decência, uma espécie de institucionalização do mercado das consciências, cuja finalidade é transformar as exceções em regras. Viver, nos tempos e no Brasil atuais, é um desafio contra a venda da consciência e da ação. O único objetivo possível dos indivíduos a serem alcançados é a obtenção do dinheiro.  Há uma visível dicotomia entre os modos de ação e a concordância com essas ações. Pensa-se de uma forma e age-se de outra. Ação e consciência sujeitaram-se ao mercado da persuasão das idéias, da cultura, das classes, da política e da ética.

                               Nesse mercado compram-se cabeças, desviam-se vontades e desejos, em troca de um bem-estar prometido, quase sempre terminando em mera subsistência.  Troca-se uma atitude vazia por silêncio conivente. Às vezes, vende-se um pensamento contundente ao preço do isolamento bem acomodado. Outras, sucumbe-se aos valores degradantes das idéias bem comportadas. O pensamento grego: ” Antes de filosofar, o homem deve se alimentar, se abrigar e defecar…” parece que foi levado ao extremo.

                               No mercado da persuasão, termina-se por curvar-se diante da opressão. Se a necessidade de obediência cedeu às contingências, parece que chegou a vez de o pensamento tomar o mesmo caminho. O conformismo das idéias e das ações só reitera o modo burocrático e policialesco (ainda que disfarçado) que o dia-a-dia tomou. A subversão do pensamento, que, de certa forma, alimenta a transformação social, que propulsiona ideais ainda não alcançados, deixou de existir, em nome de uma mesmice reiterativa, dando os contornos e os limites de uma existência quase bestializada. Os indivíduos aprenderam que podem vender a sua liberdade em troca da sua segurança momentânea.

                               Abundância dos bens materiais de consumo; acesso crescente à cultura e à informação; ampliação dos índices de alfabetização; sofisticação intermitente no trabalho; conquistas tecnológicas aplicadas ao dia-a-dia no lar; facilidades de locomoção etc. – eis algumas características da vida contemporânea. Paradoxalmente, porém, os ganhos materiais têm sido acompanhados de uma gradativa perda da liberdade, de um vazio existencial, enfim, do esvaziamento do livre arbítrio, com prejuízos notáveis à autonomia do sujeito. O ser Homo-Sapiens se transforma no Homo-Consumus.

                               Quanto maior a sensação de felicidade nos bens de consumo, maior a rendição à sociedade de massas, que aniquila com a noção de cidadão para fazer prevalecer a de consumidor, necessidade imperiosa do progresso técnico e industrial, baseado no individualismo do self made man. A sofisticação da vida cotidiana tem como contrapartida a perda da identidade, da felicidade e da liberdade. Exemplo claro disso é a conversão das Forças Armadas e seus membros em mero Departamento Institucional dos Governos, onde militares se transformam em funcionários públicos de farda, e os destinos da Nação se confundem com a expectativa do Montepio militar.

                               Os assim chamados atributos essenciais do sujeito estão vilipendiados. O modo contemporâneo de existência rege-se, exclusivamente, pelo poder aquisitivo, restrito, portanto, a uma parcela mínima da população. O Terceiro Mundo recebe o rótulo e o papel de massa, em um modelo social tecnocrático e objetual, mesmo que a imensa maioria não tenha condição de participar da sociedade de consumo. É de notar, todavia, como essa maioria se vê como massa participante. A fantasia se satisfaz com o conforto alheio, motivada por uma educação tecnicista e pelos veículos de comunicação que semeiam o bem-estar social, mesmo que a distância. A felicidade restringe-se às imagens (visuais e mentais) das lojas da rua principal, dos shoppings, da moda, dos veículos de comunicação etc. O rádio, depois a televisão, e agora a cibernética inserem os deserdados num mundo de bonança e riqueza inexistente, alimentando apenas uma utopia de prosperidade terrena que mais parece etérea e quimérica.

                               Perdeu-se a dimensão do todo. Não há mais tempo para refletir acerca da singeleza dos atos e pensamentos, dos valores tradicionais,  que caminham na contramão da oficialidade, postura quase insignificante, não fosse o valor que assume diante de um cotidiano conturbado. Cada vez mais escassos, a ação e o pensar, a dignidade do agir,  que não se traduzem em mercadorias, são vistos como extemporâneos, arcaicos, ultrapassados,  participantes de um mundo que há muito se foi. Anulou-se o direito de revolta, indignação,  e a utopia passa ao largo: resquício de um tempo perdido. Já não se tem a capacidade de sonhar e lutar por ideais. O mundo ideal se resume no aumento de renda, na busca do vil metal,  com vistas ao maior consumo e maior satisfação de veleidades imediatistas. Mais do que nunca este velho assunto se faz presente e esta é uma das fortes razões para se rediscutir as ideologias. No plano da cultura, das artes e da estética, o ambiente é igualmente desolador. Nas décadas passadas, o ato de ver um filme, ler um romance, assistir a uma representação teatral ou contemplar uma obra plástica era sinônimo de colocar-se diante de um universo propiciador de diversão, mas também de reflexão.

                               Afora as exceções de sempre, as artes e a prática cultural trabalhavam no limiar de um discurso anterior, teórico e político, sustentador do modo de se fazer a obra. Por certo, também havia aquele burburinho falsificador de valores, que cultuava uma determinada obra, ou artista, pelo simples jogo do convívio social, quase sempre demarcador de fronteiras e, portanto, de limites de classe.

                              O que teria acontecido com nossa sensibilidade? Dominada pelo universo neoliberal e pelos palpites difusos e confusos da pós-modernidade, a sensibilidade tem-se conformado ao papel de assistente e receptora de valores artísticos, morais, sociais e políticos que pululam nos diversos meios de difusão da cultura e da informação. Hoje, um novo modo de exercício do poder se efetiva, com maior eficácia, a distância, através do domínio da produção simbólica.

                               A alteração desse panorama ocorreu, na história recente, a partir da década de 1960, um período, dentre outras coisas, marcado pelas lutas de libertação nacional em vários países do Terceiro Mundo. O intervencionismo direto das grandes potências, além de questionado, mostrou-se, na própria lógica do capital, inadequado politicamente. É conveniente ressaltar que o processo de descolonização dos anos 60 foi movido pelo intento primeiromundista de um neocolonialismo. Se, à primeira vista, pode-se ver os diversos movimentos de libertação nacional, ou mesmo o pulular dos movimentos das minorias, como um momento de triunfo sobre o imperialismo, pode-se igualmente encarar como um processo de expansão qualitativa do capitalismo, com a implantação de um arsenal tecnológico bastante inovador e com novos meios de produção. O antigo imperialismo saía de cena para dar lugar a uma nova forma de dominação.

                                Dentre outros, assistiu-se, naquele período, ao avanço e crescimento da indústria da cultura e da comunicação, criando padrões ágeis e com certo grau de eficiência junto ao imaginário coletivo. Em pouco tempo essa indústria viria a ser plenamente adequada aos exercícios do poder. Uma padronização bem arquitetada pelos senhores do Mundo do Império de Sião.

                               Hoje, diante deste novo modo de exercício do poder, essencialmente simbólico, há um nítido conformismo com os valores postos e repostos pelos veículos de manifestação da cultura e da comunicação e nossa sensibilidade retrai-se diante de modelos culturais consagrados pelo projeto industrial.

                               Alteraram-se os tempos, as obras, os valores, mas a arte, a cultura, a linguagem e até mesmo a sensibilidade atrelaram-se ainda mais à política. Desta feita, como forma quase que privilegiada de dominação social, a distância.

                               Até mesmo as religiões, últimos sustentáculos teóricos de uma sociedade espiritualista antes de materialista, foram conspurcadas pelo poder de Sião. As Teologias da Libertação e da Prosperidade materializam a essência divina do religare e mais uma vez transformam almas em consumidores, prontos a obterem a felicidade nesse mundo do aqui-agora, não no mundo do porvir.

                                    No plano da investigação das idéias assistiu-se a uma substituição gradual dos grandes sistemas filosóficos e políticos. O movimento parecia extremamente claro: a primazia da linguagem e do simbólico deveria sobrepor-se à tentativa filosófica de reflexão acerca do mundo e da existência. Em última instância, houve um abandono das investigações críticas e filosóficas para fazer prevalecer um cientificismo do qual se mostravam carentes todas as ciências humanas. Do ponto de vista do método e do procedimento científicos, o estruturalismo estava muito mais bem equipado. Este caminho viria a implicar, mais tarde, o descaso completo para com o pensamento crítico (em seu questionamento das relações de poder e dominação, que se estendia à reflexão acerca da existência, do mundo e das coisas), bem ao gosto da pós-modernidade. A pulverização dos conceitos e o desmantelamento teórico dos arcabouços filosóficos, nos quais se inclui o marxismo, foram a contrapartida do conhecimento tecnicista, que tem predominado desde então, a despeito ainda da queda do modismo estruturalista. Restou, contudo, a postura da especialidade, do avanço sistemático do singular em oposição à tentativa de compreensão crítica de uma totalidade, atributo histórico da Filosofia. O caminho do cientificismo predominante acabou por sepultar de vez o sujeito filosófico e a sua tarefa. A partir de então, a Filosofia teria de dar suporte teórico à pesquisa das ciências, voltada, com maior ou menor intensidade, ao aprimoramento do mundo tecnológico, tendo como crença suprema a autonomia e independência do conhecimento. Vale dizer: sua tarefa deixou de ser a reflexão e a crítica para transformar-se em produtora de sentidos para o trabalho da ciência. A própria Filosofia se tecnicizou, ou melhor, materializou-se, não no sentido clássico do materialismo, mas na função quase que primordial de dar sustentáculo teórico e material à linguagem e ao universo simbólico – em última instância, prover de sentido o trabalho científico.

                               É realmente lamentável ter que materializar o espírito. Por mais paradoxal que isso pareça.

 

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