ESPÍRITO DA BURGUESIA
CHEFE NACIONAL PLÍNIO SALGADO
“Nossa esperança é ainda, e será sempre, a possibilidade de contrapormos, ao ‘Espírito Burguês’, o Espírito de Cristo.”
Já temos dito muitas vezes e não nos cansaremos de repetir: a burguesia não é uma classe, é um estado de espírito. É próprio espírito da avareza e da sensualidade, que se manifesta de formas tão variadas e por vezes tão sutis, que há muitos casos que alguém, julgando estar combatendo o espírito burguês, não faz mais que avolumá-lo na sua própria alma.
Numerosos são os que estudaram a burguesia sob o aspecto das condições econômicas e suas consequências políticas e sociais. Poucos os que penetraram nesse espírito que não é inerente, de modo exclusivo, à classe dominante em nossos dias, porém se infiltra em todas as classes, sob os aspectos mais contraditórios, refletindo uma concepção de vida em completo desacordo com os fins sobrenaturais do homem.
O espírito da burguesia vive em todas as classes. Está na classe média, tão forte, como nos círculos sociais dos ricos, está na própria alma do proletariado quando se deixa penetrar pelos argumentos materialistas, que embasam a vida humana em nossos dias.
A esse espírito chamamos hoje de “burguesismo”, pelo fato de ser a burguesia quem comanda os rumos disso a que temos convencionado chamar de “civilização”. Mas ele já dominou em outras épocas através de outras formas, agrupamentos ou expressões sociais divergentes. Viveu na Antiguidade Oriental, como viveu na Roma dos Césares ou nos dias brilhantes da Renascença. Aos que o encarnaram referiu-se o Evangelho apelidando-os servidores de Mámon e o paganismo conheceu-os pelo nome de epicuristas.
É a preocupação exclusiva pelos bens materiais, os quais devendo constituir um “meio” pelo qual a criatura humana deve atingir aos seus fins verdadeiros, torna-se um “fim” em si mesmos com exclusão de toda a finalidade superior. É a transmutação dos cinco sentidos, que são também “meios” de domínio e compreensão do mundo exterior facultados ao ser humano e instrumentos de comunicação e de experiência de que dispõe o homem para formar juízos exatos e determinar os limites e as formas de suas ações na vida social, em “fins” exclusivos de todas as manifestações e realizações do ser.
O espírito, pois, que domina o nosso tempo, e que temos habituado a designar pelo nome de “espírito burguês”, pode ser definido como um processo psicológico mediante o qual os “meios” se transformam em “fins” e os “fins” se transformam em “meios”.
Dele se origina todo o desentendimento entre os homens, todos os dramas de lágrimas, de sangue, de desesperos que assinalam as épocas tormentosas em que imperam o egoísmo feroz e a sede de prazeres.
Sentindo abalados os alicerces que servem de base à construção social em que vive, a burguesia se agita temerosa de perder os seus bens e declara guerra ao comunismo, que se levanta em todos os países, desfraldando a bandeira da luta de classes.
Para tomarmos posição em face dessa luta, hoje tão evidente no âmbito nacional e internacional dos povos, cumpre-nos apreciar, com serenidade e justiça, a índole dos dois contendores e tirar desse exame as conclusões sobre o verdadeiro mal que é hoje causa das desgraças humanas e dos conflitos cada vez mais agudos que arrastam as nações para o abismo de tenebrosa catástrofe.
É o comunismo o mal do nosso século [século XX]? Como adversário leal e franco da doutrina marxista, ouso dizer que o comunismo não é o mal do século, porque antes dele existe um outro mal de que ele se origina. Esse mal é o espírito burguês.
Se desejamos combater o comunismo, que se ergue contra a sociedade burguesa, a nossa primeira atitude será a de combate contra a concepção de vida da burguesia, a qual, por ser injusta e cruel, gera revoltas por ela mesma semeadas com os princípios materialistas, ostensivos ou latentes, dos usufrutuários dos bens terrenos de nosso tempo.
Essa vida de gozo, de ostentação, de comodismo, que é o espetáculo oferecido pelos ricos, pelos poderosos granfinos de uma sociedade corrupta, representa uma proclamação diária, em face dos pobres e dos humildes, afirmando que o único fim deste mundo reside na satisfação plena dos desejos da carne.
Tão eloquente manifesto repercute pelos quadrantes do mundo e desperta nas massas o mesmo sentimento que se traduz nos mesmos conceitos de finalidade. Então, mais nobres e generosos do que aqueles que se servem da doutrina espiritualista como alicerce de uma construção materialista, surgem os líderes do comunismo dizendo: “substituamos esse alicerce religioso por uma base anti-religiosa, porque assim haverá coerência e sinceridade, equilíbrio e justiça”.
É a lógica da anti-verdade, à qual não se pode negar o valor de um raciocínio perfeito. Não poderemos dizer o mesmo do sofisma que se lhe antepõe, porquanto mais digno é deduzir o erro do erro do que deduzir da verdade o erro que, justamente pelo fato de surpreender as consciências iluminadas pelo sentido da justiça, provoca irritações e cóleras de quantos se sentem enganados.
O materialismo do nosso tempo não proveio das classes trabalhadoras, a sua origem é burguesa. Sustentado pelos filósofos e pelas mentalidades unilateralistas sob o império do experimentalismo científico, o materialismo é doutrina que apareceu como justificativa de livre expressão do homem, nos atos de conquista e de gozo dos bens terrenos. Pois esse gozo não poderia ultrapassar os limites impostos pela moral, se preliminarmente não tivesse sido banida das cogitações humanas a crença num Deus, no fim último e supremo do homem