Extraído do livro Extremismo e democracia, 1948
“A Democracia, ou governo do povo, deve fundar-se muito mais em princípios de moralidade, que infundem em cada Homem o respeito pelo justo e pelo verdadeiro, do que nas regras coercitivas facilmente burladas pelos interessados em transgredi-las. Todas as dificuldades que atualmente se apresentam aos que pretendem definir a Democracia, está em que o termo é tomado na acepção do simples mecanismo das instituições e não no sentido da idéia nele contida. A idéia essencial de Democracia é uma idéia de justiça: a partilha das liberdades públicas e privadas e a distribuição racional da igualdade perante Deus e as Leis Civis e segundo as categorias dos valores e funções acessíveis a todos os cidadãos. Quer dizer, somos num regime democrático, verdadeiramente iguais uns aos outros no exercício das liberdades justas; e somos verdadeiramente livres para sermos iguais nas próprias desigualdades de temperamento, de vocação, de aspirações que nos levam a assumir postos diversos nas categorias econômicas, intelectuais ou políticas.
Os verdadeiros princípios da Democracia têm de ser fundamentalmente cristãos. Entre a Lei do instinto e a Lei de Deus, os democratas sinceros adotarão esta. É a lei que procede da fé no Criador do Universo e na imortalidade da alma humana e que sustenta a liberdade do Homem como prerrogativa de seu espírito. Logicamente, a Lei de Deus, que nos faculta a liberdade e a responsabilidade, proclama a intangibilidade da pessoa humana. Intangível e livre, o Homem assume o compromisso de respeitar a intangibilidade e a liberdade de seu semelhante, as quais se estendem aos grupos naturais em que a pessoa humana se afirma e as coisas que pessoas e grupos possuem legitimamente.
Temos, assim, como bases da Democracia,
1°) a pessoa humana intangível
2°) os grupos naturais que dela procedem e dos quais o primeiro é a família
3°) a propriedade justa, isto é, aquela que não ultrapassa os limites do bem alheio comum.
Sendo o município uma reunião de pessoas, de grupos naturais e de propriedades, segue-se que o Município deve ser autônomo; e sendo a Nação um conjunto de municípios autônomos onde vivem pessoas, famílias e grupos autônomos, conclui-se que a idéia da Pátria é inerente à Democracia.
A manutenção de todas essas expressões da liberdade humana exige virtudes nos cidadãos. Essas virtudes são as que contrapõem às leis do instinto, que é injusto e cruel. Cumpre, pois, como único meio de realizar-se o regime democrático, uma larga e profunda obra de educação para a Democracia.”